Thursday, May 22, 2008

Uma segunda chance

Se o aquecimento global causasse a extinção de espécies, as arqueas permaneceriam no planeta


A imprensa noticiou recentemente o diálogo entre duas pessoas preocupadas com o aquecimento global e com o destino da Terra. Uma expressou seu pessimismo dizendo que, se nenhuma providência enérgica fosse tomada imediatamente, o planeta acabaria. Tal previsão foi imediatamente contestada pela outra pessoa, para a qual o planeta continuaria a existir muito bem, mas certamente uma boa proporção dos seres vivos, entre eles a espécie humana, deixaria de existir.


As arqueas são seres unicelulares que conseguem viver em condições extremas, não toleradas por qualquer outro organismo. A arquea Deinococcus radiodurans (na imagem) é capaz de resistir a enormes níveis de radioatividade (foto: Wikipédia).


Independentemente de mudanças climáticas, o processo da evolução implica a extinção de espécies, o que ocorre a uma taxa relativamente constante. Acredita-se, por exemplo, que mais de 90% das espécies que viveram na Terra já estejam extintas. No entanto, não há dúvida de que uma alteração radical no ambiente, como a que se anuncia para as próximas décadas, produziria mudanças catastróficas e súbitas na biosfera. Haveria extinções em massa, semelhantes às ocorridas durante períodos de glaciação e de aquecimento do planeta, ou às que resultaram de colisões com asteróides gigantes, como parece ter ocorrido na península do Yucatán, no México. Esse evento é a base de uma das hipóteses para explicar a extinção dos dinossauros. Outra hipótese envolve vulcanismo intenso, concomitante com o choque do asteróide.

Se de fato estivermos diante de uma catástrofe iminente, seria possível prever que espécies permanecerão na Terra? Definitivamente, sim. Embora tais palpites sempre sejam arriscados, em virtude da extensa rede de interações que se estabeleceu entre os seres vivos, pode-se arriscar uma ‘barbada’. Com quase toda certeza as arqueas, seres unicelulares em parte semelhantes às bactérias e em parte únicas, herdarão o planeta. Ou melhor, continuarão a existir aqui, como fazem há mais de 3,5 bilhões de anos, sem se importar com questões climáticas ou com as recentes ações deletérias dos humanos.

Quem são esses seres especiais? São microrganismos que vivem em praticamente todos os ambientes terrestres e marinhos, na ausência de luz ou de oxigênio e por vezes sob altíssimas pressões e temperaturas. Entre as cerca de 90 espécies já catalogadas, descobriu-se que muitas arqueas conseguem viver em condições extremas, não toleradas por qualquer outro organismo. Ambientes de grande salinidade ou acidez, por exemplo, seriam considerados estéreis se não fosse a presença de arqueas halofílicas (que preferem sal ou ácido). Águas com temperatura próxima à do ponto de ebulição ou abaixo do ponto de congelamento são os ambientes prediletos de arqueas hipertermofílicas e psicrofílicas, respectivamente. Seus metabolismos estão perfeitamente ajustados a tais condições, o que reflete a grande plasticidade das proteínas que as compõem.

As arqueas não param por aí. Com seus ‘superpoderes’, resistem ainda a enormes níveis de radioatividade, muito além dos que seriam letais para plantas e animais. A arquea Deinococcus radiodurans, por exemplo, é capaz, como o nome sugere, de regenerar seu DNA rapidamente após receber uma dose radioativa que reduz o genoma a pequenos fragmentos, e continua a viver e a se reproduzir como se nada tivesse acontecido. São conhecidos hoje tantos feitos das arqueas que é razoável admitir que elas poderiam colonizar ou ter colonizado qualquer planeta com condições similares às da Terra primitiva. O cenário marciano, por exemplo, parecido com o do deserto chileno de Atacama (o ambiente mais seco da Terra), poderia abrigar tais microrganismos em camadas do solo próximas à superfície, como ocorre em Atacama. Em breve saberemos.

O conhecimento sobre as arqueas, porém, não deixa de ser reconfortante para o Homo sapiens. Podemos especular, sem muito medo de errar, que as arqueas foram as células que deram origem, na Terra, a todas as outras formas de vida. Diante de tamanha resistência, é certo também que, após a nossa extinção, as arqueas permanecerão neste planeta até que o Sol termine seu ciclo estelar, daqui a cerca de 5 bilhões de anos. Há, portanto, tempo suficiente para um novo ciclo de evolução, que teria, digamos, de 2 a 3 bilhões de anos. Se os caminhos evolutivos forem parecidos com os que conhecemos agora, talvez surja uma segunda versão humana. Quem sabe esta será mais ecológica?


Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Levantamento revela que mais de 40% da vegetação nativa da região estão preservados

Levantamento revela que mais de 40% da vegetação nativa da região estão preservados
Uma boa notícia nos pampas Remanescentes de vegetação do bioma pampa no Rio Grande do Sul: campestre, florestal e mosaico floresta-campo. A linha vermelha estabelece os limites entre os pampas, na parte meridional, e a mata atlântica (mapa elaborado pelo Centro de Ecologia da UFRGS a partir de imagens de satélite). Todos os anos, ambientalistas, biólogos e afins anunciam estimativas alarmantes sobre a devastação da vegetação nativa do sul do Brasil. Os números são cada vez mais assustadores. Mas qual a origem desses dados? Por incrível que pareça, boa parte deles resulta de aproximações imprecisas – e muitos não passam de mero chute. A partir de agora, no entanto, erros grosseiros não mais deverão ocorrer, ao menos no que diz respeito ao Rio Grande do Sul, onde se concluiu recentemente o trabalho técnico intitulado Mapeamento da Cobertura Vegetal do Bioma Pampa, conduzido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). O estudo, iniciado em 2004, baseou-se em imagens fornecidas pelo satélite norte-americano Landsat, obtidas entre 2001 e 2003. Muito mais do que apenas levantar dados confiáveis, o projeto permitirá desenvolver novas políticas sustentáveis para a região, bem como definir novas áreas de preservação e facilitar a fiscalização ambiental. O mapeamento procurou, inicialmente, estimar quanto ainda resta de vegetação nativa no bioma pampa. Localizado na porção meridional do Rio Grande do Sul, esse bioma se caracteriza por formações vegetais predominantemente de campo, embora também possua áreas de floresta. Os mapas poderão indicar um panorama geral do impacto exercido pelas atividades humanas na região, criando condições para se elaborar um novo planejamento de ocupação. Uma das conseqüências imediatas do projeto é que os pesquisadores terão ferramentas melhores para instruir produtores locais ainda este ano. O objetivo é criar sintonia entre manejo ambiental e desenvolvimento econômico. Dados ultrapassados As imagens de satélite usadas no último mapeamento contínuo realizado no Brasil eram da década de 1970. Bastante desatualizado, esse mapeamento limitava estudos mais precisos sobre a condição atual dos ecossistemas. E sabe-se que nos últimos 30 anos muita coisa mudou no sul do país. Até 2007, não havia dados oficiais sobre o bioma pampa, e o novo mapeamento trouxe uma notícia auspiciosa: 41% da cobertura vegetal nativa da região – a maior parte composta por campos – ainda estão preservados. “É um número considerável”, estima o geógrafo Heinrich Hasenack, um dos responsáveis pelo estudo. Por mais paradoxal que isso pareça, a boa nova se deve à pecuária. Segundo Hasenack, nos pampas a atividade é mais sustentável, uma vez que, na região, ela tem sido praticada em sua forma tradicional, isto é, com animais criados de forma extensiva sobre pastagens nativas. Isso foi possível porque os pampas possuem áreas de pastagem natural muito ricas, com grande quantidade de espécies vegetais que proporcionam uma alimentação diversificada para o gado. É, portanto, um local privilegiado para os produtores. Assim, não há necessidade de devastá-lo. “Não se pode reproduzir artificialmente tamanha diversidade”, explica o geógrafo da UFRGS. Paisagem do espinilho (tipo de vegetação campestre dos pampas) no extremo oeste do Rio Grande do Sul, no município de Barra do Quarai. Para mapear os pampas, o MMA, com o apoio de outras instituições nacionais, desembolsou cerca de R$ 200 mil. Segundo o diretor do Departamento de Conservação da Biodiversidade do ministério, Bráulio Dias, a iniciativa faz parte de uma ação mais abrangente, que incluiu os outros cinco biomas brasileiros – Amazônia, mata atlântica, cerrado, caatinga e pantanal –, cujo mapeamento completo custou R$ 3 milhões. Os estudos de mapeamento da cobertura vegetal dos biomas fazem parte do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio), do MMA, cujo valor total é superior a US$ 20 milhões. Desse montante, metade veio de uma doação do Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF), por intermédio do Banco Mundial, e o restante de recursos disponibilizados pelo governo brasileiro.

Henrique Kugler Especial para a CH On-line/ PR 10/03/2008